#1. Vinte discos imperdíveis de 2024 - parte 1
Breve panorama da riqueza musical brasileira no ano passado
Para definitivamente abrir os trabalhos aqui no Substack, quero apresentar um breve panorama da riqueza musical no ano passado, dentre tantos outros recortes possíveis (é absolutamente impossível escutar todos os lançamentos, tamanha a profusão e fragmentação do cenário musical hoje). Lembrando que a ideia obsessiva que informa este projeto é convencer quem me lê com fartas evidências que a Música Brasileira Contemporânea é marcada por uma explosão de vivacidade, criatividade e experimentação na última década e meia, pelo menos.
Desisti de organizar os discos na forma de um ranking. Não apenas isto atrasaria a publicação do post, como também já mudei de ideia tantas vezes desde dezembro em termos de quais discos incluir (sempre é possível descobrir um álbum que não estava no seu radar e isto bagunça tudo o que você tinha meticulosamente organizado), quais critérios utilizar e como ordenar, que achei por bem manter apenas uma lista alfabética a partir dos nomes de artistas.
No final da Parte 2 desta lista, uma síntese da geografia musical peculiar que surge a partir destes vinte discos nacionais - entre muito bons e fantásticos - lançados em 2024 (geografia, aliás, afinada com a hipótese formulada no post de apresentação desta newsletter sobre uma emergente coalizão musical entre as regiões Nordeste e Norte):
1 – Agnes Nunes (BA), O Amor e Suas Variáveis
Um disco lindo e sensível, viajando pelas diferentes fases do amor. Destaque para o tocante samba contemporâneo “(A)Maré“ e a participação da Mariana Froes na faixa “Coração Marruá”. É muito impressionante como ambas são compositoras de vinte e poucos anos de idade, apenas no início de suas carreiras e contribuições para a música brasileira (se você não as conhece, vale muito a pena acompanhá-las: Agnes tem um disco anterior e Mari vai lançar o seu primeiro álbum em breve).
2 – Barro (PE), Língua
Além de ser produtor de dois outros discos desta lista, o imprescindível Barro também lançou seu próprio álbum no ano passado. Participações mais do que especiais de Fran Gil (filho da Preta Gil e um dos integrantes do trio Gilsons), Chico César e Rachel Reis (cujo disco de estreia, o absolutamente fantástico Meu Esquema, de 2022, também foi produzido pelo Barro, junto com Guilherme Assis). O artista pernambucano é capaz de criar sonoridades especiais, tanto as melodias quanto uma percussão sempre original e marcante (destaque para a sutil mobilização das panelinhas do brega funk na faixa com Marley no Beat).
3 – Bruno Berle (AL), No Reino dos Afetos 2
Atmosfera intimista e envolvente, partindo mas indo além do estilo lo-fi do volume 1. Destaque para mim é a maravilhosa e tocante “Dizer Adeus”...
4 – Céu (SP), Novela
Não é meu álbum favorito dela, mas Céu é Céu: um dos centros de gravidade do big bang da Música Brasileira Contemporânea... Entendo que ela decidiu aqui se afastar da identidade musical madura, cuidadosamente elaborada em Tropix e Apká!, para valorizar menos o produto e mais o processo. Assim, ela retornou de certa forma aos seus primeiros trabalhos, em especial ao Caravana Sereia Bloom, uma pegada mais para cima em vez da linda melancolia de 2016 e 2019. Destaque para a faixa “Into My Novela”: “Só vai ingressar na minha novela / Se reconhecer o canto de um sabiá / Tão bom, eu sou / A protagonista da minha novela”.
5 – Duda Beat (PE), Tara & Tal
Para quem me acompanha no Instagram ou que já conversou comigo sobre música esta inclusão talvez seja surpreendente. Sou fã da “jovem Duda Beat”, dos discos Sinto Muito (2018) e Te Amo Lá Fora (2021) e fiquei pesaroso com o abandono do seu inventivo projeto estético original e a sua virada excessivamente eletrônica. Por outro lado, de tanto ouvir seu último disco para estudá-lo (e criticá-lo - risos), percebi que: (1) tem faixas bem divertidas; e (2) é um disco imperdível, inclusive para entender historicamente as tendências e dilemas da música brasileira contemporânea. No caso dela, eu resumiria o dilema como sendo: a armadilha do midstream que se mainstreamiza...
6 – Enme (MA), ATABAKE (Deluxe)
Um dos melhores discos do ano! Enme Paixão é uma rapper negra trans de São Luís do Maranhão, mais especificamente do bairro da Liberdade, maior quilombo urbano do Brasil. Sem exageros, ela é uma artista vanguardista que está desenvolvendo um dos materiais musicais mais avançados do país. Em colaboração com o produtor Adnon, criador do Criola Beat, ela potencializou a pesquisa musical coletiva da cena musical independente maranhense sobre como articular os batuques do tambor de crioula com os beats eletrônicos (rap, funk, reggae, dancehall, afrobeat, amapiano e, na surpreendente última faixa, piseiro). Sugiro fortemente antes escutar o disco anterior, ATABAKE (2022), para captar a densidade do projeto estético, que pode se perder se o seu ouvido se ativer apenas à dimensão pop eletrônica, o que decididamente não esgota tudo o que está em jogo aqui.
7 – Felipe Cordeiro (PA), Close Drama Revolução & Putaria
Disco-manifesto da Música Popular Brasileira Feita na Amazônia. Felipe é junto com seu pai, o guitarrista e produtor Manoel Cordeiro, um dos principais intelectuais orgânicos desta constelação paraense e nortista (participações especiais no disco de Gaby Amarantos, Patrícia Bastos, Cronixta, Victor Xamã, Layse, dentre tantos outros). Brega, lambada, cúmbia, guitarrada, além de temáticas políticas radicais. Como filho de artista paraense, me senti pessoalmente tocado pelo projeto estético, político e afetivo.
8 – Flávia Coelho (RJ), Ginga
Eu acho as batidas e melodias da Flávia Coelho incomuns. Talvez tenha a ver com o fato de que ela saiu do Rio de Janeiro há muitos anos, hoje vivendo na França (ela deve ser mais conhecida na Europa do que no Brasil). Como vários projetos estéticos de compositoras contemporâneas, o ponto de partida é uma revisita às músicas populares que marcaram suas infâncias e adolescências. O resultado aqui foi uma sonoridade fora da curva e fora do radar, quase nunca vejo ela ser referida, resenhada ou elogiada, mas é um pop alternativo com muita ginga!
9 – Giovani Cidreira (BA), Carnaval Eu Chego Lá
Versões alquímicas e atualizadas de músicas do sambista – também baiano – Ederaldo Gentil (1947-2012), transitando entre animação e melancolia. Destaques para a participação da sempre brilhante Céu em “O Samba e Você” e também para a fantástica faixa “O Ouro e a Madeira” (música que, aliás, aparece como sample na música “auri sacra fames” do Don L).
10 – Joyce Alane (PE), Tudo É Minha Culpa
A nova rainha da sofrência pop! Este disco navega de um jeito aberto, sincero e transparente por diversos finais de relacionamento. Destaque para alguns versos cantados em ritmo frenético (como em “Só Não Fale” e “Golpe Baixo”) e em especial para a pluralidade de gêneros: brega, pagodão baiano, samba e xote. Beleza pura, produzida pela dupla dinâmica Barro/Guilherme Assis.
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PS: a continuação com os próximos 10 discos vem no post da semana que vem! (não foi uma estratégia consciente de marketing para deixar vocês com gosto de quero mais, é que a plataforma avisou que estava ficando grande demais para ser compartilhado por email…)
Só conhecia Duda Beat e Ceu. Fiz uma playlist com todos 🥰