#3. Janeiro e Fevereiro de 2025
Lançamentos e (re)descobertas musicais nos dois primeiros meses do ano: BaianaSystem, Briê, Dona Onete, Rachel Reis, Seu Jorge, UANA e muito mais
Nas duas últimas postagens apresentei um balanço do ano musical de 2024 – certamente um balanço parcial e enviesado, de acordo com meus repertórios, horizontes e interesses, mas também, vamos combinar, bastante contingente: se é impossível escutar todos os lançamentos de um ano, então qualquer avaliação vai estar marcada por onde foi possível circular musicalmente nas brechas do tempo-de-vida.
A partir de agora, inauguro um formato específico de postagem: balanços mensais de lançamentos (focados principalmente em discos, mas também incluindo EPs e singles com relevância para a imaginação musical nacional) junto com o compartilhamento de por onde foi parar minha investigação musical no mês em questão, o que trará “descobertas tardias” (adiantei na postagem #0 como passei quase a vida inteira imerso musicalmente no século XX, então muita coisa da Música Brasileira Contemporânea é novidade para mim, mesmo que tenha sido lançado há 2 ou 20 anos atrás).
E conforme comecei esta newsletter no Substack apenas em junho de 2025, vamos percorrer nas próximas semanas os meses do 1º semestre, mais ou menos com uma regularidade quinzenal, fundindo dois meses por vez (jan./fev., mar./abr., mai./jun.), até chegar na virada de julho para agosto com estes balanços mensais atualizados na primeira semana do mês seguinte. Quando chegar neste ponto, vou conseguir abrir espaço para as postagens semanais se diversificarem para outros tipos de publicação: mais resenhas de discos, resenhas de livros, resenhas de carreiras-trajetórias, playlists, reflexões mais amplas sobre imaginação musical, sociedade brasileira, hierarquias regionais, etc.
Vamos então aos lançamentos e descobertas:
Treze lançamentos de Janeiro e Fevereiro de 2025 altamente recomendados
1 – [single] Aqno & Dona Onete, "Jambu no Cuxá" [PA]
Encontro entre duas gerações paraenses: carimbó com pop eletrônico! Uma das melhores faixas do disco que depois seria lançado por Aqno como Latino Brega Love. Dona Onete é não apenas uma referência na música paraense, como também uma presença muito generosa nos diálogos intergeracionais, seja oferecendo suas composições para versões atualizadas, seja participando de faixas de artistas mais jovens.
2 – [álbum] BaianaSystem, O Mundo Dá Voltas [BA]
Discaço (ouso dizer que o melhor da história da banda), com participações estelares: Gil, Pitty, Anitta, Seu Jorge, Emicida, Melly, Manoel Cordeiro e tantos outros! A cada escuta, uma nova faixa favorita. Tem sincretismos religiosos e também musicais, tem musicalização da Lélia Gonzalez e muito, muito mais…
3 – [EP] Briê, Insana [PE]
Briê é uma multiartista pernambucana: além de cantora e compositora, ela é dançarina e pioneira do twerking no Brasil. Destaque para a faixa-título do EP e também para a participação da compositora indígena Siba Puri.
4 – [single] Dani Black & Joyce Alane, "Come Com Os Olhos" [SP e PE]
Forró contemporâneo viciante.
5 – [single] Dona Onete, "Quatro Contas" [PA]
Olha Dona Onete de novo! Este é um carimbó que inspirou o samba-enredo da Grande Rio no Carnaval de 2025.
6 – [single] João Brasil, El Dusty & Felipe Cordeiro, "GOXTOSINHO" [RJ, EUA e PA]
Um sincretismo funk/cúmbia muito gostosinho. Acompanhem o Felipe Cordeiro, ele é um hub da música nortista.
7 – [álbum] Ilê Aiyê, Filhos de Gandhy, Malê Debalê, Muzenza, Olodum, Didá e Cortejo Afro, Mundo Afro [BA]
Mais de uma hora de músicas inéditas de sete blocos afro da Bahia (3x7=21), cada um com sua identidade e trajetória musical. Um grande álbum.
8 – [single] Léo da Bodega, "Som das Ladeiras" [PE]
Sonzaço pós-Spivak. A partir do single, cheguei no seu discaço, que está na lista de álbuns imperdíveis de 2024.
9 – [single] MangoLab, MC Super Shock & Mestre Damasceno, "Terroada de Oyá" [AP e PA]
Em termos geográficos, uma pororoca Amapá e Pará; em termos musicais, um sincretismo rap/carimbó. Bom demais!
10 – [single] MangoLab, Núbia & Jennify C., "Horizontes" [MA e RN]
Outro lançamento que compõe o EP Tudo Nosso, produzido pelo MangoLab. Foi a partir daqui que fui explorar o fantástico disco Sabores da Núbia – e que descobri que já tinha curtido demais a participação dela em “O Som da Liberdade”, que abre Atabake, da também maranhense Enme.
11 – [single] Rachel Reis, "Deixa Molhar" [BA]
Do interior da Bahia para o mundo! Uma das melhores músicas lançadas em 2025 (e certamente a melhor do que seria depois lançado como seu segundo disco, Divina Casca). Além da sua habilidade de compositora solar, Rachel Reis dialoga com pesquisas sonoras de produtores baianos e pernambucanos. Ela associa este single aos Summer Eletrohits dos anos 2000, mas não se trata de uma virada eletrônica totalizante (como na Duda Beat e em metade do último disco de Luísa e os Alquimistas) e sim uma pesquisa rítmica muito imaginativa: os produtores recifeneses Barro e Guilherme Assis parecem sempre estar "em busca da batida perfeita", num diálogo subversivo entre ritmos populares tradicionais e a música eletrônica.
12 – [álbum] Seu Jorge, Baile à la Baiana [RJ]
O disco é extremamente bem-sucedido enquanto entretenimento envolvente: super animado e dançante. Mas, conceitualmente, é um pouco confuso: promete ser uma fusão RJ/BA, mas é como se tivesse um Lado A com samba-rock e um Lado B com pagodão baiano. De qualquer forma, é “bom para pensar"; ainda quero refletir mais sobre o projeto estético deste álbum, em suas promessas e entregas!
13 – [EP] UANA, Fervo 90! [PE]
Um EP brilhante, tal como o disco Megalomania (um dos mais imperdíveis de 2024!). UANA é uma artista-pesquisadora pernambucana, mestra do sincretismo entre gêneros musicais. Se antes ela partia do brega e do brega funk para ir em direção à música eletrônica (passando por trap, funk paulista, xote e forró), agora ela se propõe reler frevos dos anos 1990, pela lente do brega funk, que funciona mais uma vez como "língua franca". Mas o frevo vai pulsando de forma crescente na segunda e terceira faixas. Ela subverte o frevo por meio do brega funk, que também é subvertido, desacelerando as panelinhas.
Outros lançamentos dos meses de Janeiro e Fevereiro de 2025
[álbum] BK, Diamantes, Lágrimas e Rostos para Esquecer [RJ]
[single] Francisco El Hombre, "Despedida" [SP]
[single] GOMES e 6astos, "Me Enganar" [PE]
[single] João Gomes & Ana Laura Lopes, "Fantasma" [PE e MG]
[single] Josyara & Pitty, "Ensacado" [BA]
[single] Lagum, "Meu Esquema" [MG]
[single] Liniker, "ROCK DOIDO DE CAJU" (Baby Plus Size & Felino Remix) [SP]
[EP] MangoLab, Tudo Nosso [vários]
[álbum] Marcelo D2, Manual Prático do Novo Samba Tradicional, Vol. 2 [RJ]
[single] Maréh & Mariana Nolasco, "Cuerpo" [COL e SP]
[single] Mariana Moraes, Quem Cola Entra & Uana, "Tolera Eu" [PE?]
[single] Marina Melo, "Prometeu" (feat. Maurício Pereira) [SP]
[álbum] Melly, Amaríssima V2 (Remix) [BA]
[álbum] Paulinho da Viola, Paulinho da Viola 80 anos (Ao Vivo) [RJ]
[single] Romero Ferro, "Carnaval do Desejo" [PE]
[single] Silva, "Mais Raro" [ES]
[single] Tuly, "NO VERÃO" [MG]
[single] Turi 57, "Religiosamente Jovem" [SP]
[single] Vinícius Barros, "Calor e Saudade" [PE]
E agora me digam vocês: teve algum disco, EP ou single que foi lançado em janeiro ou fevereiro de 2025 e que não apareceu aqui? Comente com suas próprias recomendações!
Descobertas tardias altamente recomendadas
[single] Alice Caymmi & Rachel Reis, “Desfruta” (2023) [RJ e BA]
[single] Ana Frango Elétrico e Luiza Brina, “Somos Só” (2021) [RJ e MG]
[faixa] Assucena, “Nu” (2023) [BA]
[álbum] Cronixta, Wi-Fi da Floresta (2023) [PA]
[álbum] Atabake, Enme (2022) [MA]
[single] Felipe Cordeiro, Illy, & Barro, “Todo Céu Azul” (2023) [PA, BA e PE]
[faixa] Jaloo, “Tudo Passa” (2023) [PA]
[álbum] Luísa e os Alquimistas, Jaguatirica Print (2019) [RN]
[álbum] Mari Jasca, Disparada (2024) [RJ]
[faixa] Nilson Chaves, “Tô Que Tô... Saudade” (1991) [PA]
[faixa] Saulo Duarte, “Zonzon” (2014) [PA}
Cartografia da imaginação musical brasileira
Por onde viajei nos meses de jan./fev. 2025?
NORDESTE
– Bahia (x11): Assucena, BaianaSystem, 7 blocos afro (Ilê Aiyê, Filhos de Gandhy, Malê Debalê, Muzenza, Olodum, Didá e Cortejo Afro), Illy, Rachel Reis
– Pernambuco (x5): Barro, Briê, Joyce Alane, Leo da Bodega, UANA
– Rio Grande do Norte (x2): Jennify C., Luísa e os Alquimistas
– Maranhão (x2): Enme, Núbia
NORTE
– Pará (x8): Aqno, Cronixta, Dona Onete, Felipe Cordeiro, Jaloo, Mestre Damaceno, Nilson Chaves, Saulo Duarte
– Amapá: MC Super Shock
SUDESTE
– Rio de Janeiro (x4): Alice Caymmi, Ana Frango Elétrico, Mari Jasca, Seu Jorge
– Minas Gerais: Luiza Brina
– São Paulo: Dani Black
* * *
PS: Semana que vem, vou inaugurar um outro tipo de postagem: a primeira resenha de disco (spoiler: é um dos melhores do ano e vem da Bahia). Via de regra, vou me ater a resenhar criticamente álbuns lançados a partir de 2025, levando a cabo uma espécie de compromisso radical com o tempo presente. Mais para frente, pretendo começar a inserir reflexões mais históricas, por três vias: resenhas de livros sobre música brasileira; reconstruções de carreiras de artistas ou de bandas que eu vejo como ricas para identificar tendências da imaginação musical brasileira; e, por fim, interpretações de cenas musicais independentes com recorte estadual ou regional. Obrigado pela leitura e até a próxima postagem.