#5. Março e Abril de 2025
Lançamentos e descobertas na virada verão/primavera: Djonga, João Gomes e cia., Joyce Alane, Josyara, Rachel Reis, Rael e mais
Mais um balanço bimensal. 2025 está sendo um ano rico em lançamentos e aqui nesta postagem vocês encontrarão alguns dos álbuns que certamente vão compor meu ranking de melhores discos nacionais quando chegarmos lá no final de dezembro.
No mais, concentrei minha pesquisa musical neste período nas cenas maranhense e paraense, mas artistas de São Paulo acabaram pululando (verdade que se trata de um Sudeste muito específico, orientado ao eixo Nordeste-Norte, com diferentes formas de dialogar com forró e piseiro).
Vamos então aos lançamentos (separados em altamente recomendados e os demais, mas não deixem de ouvir estes “outros”, quem sabe vocês discordam da minha avaliação dos destaques, neste caso não deixem de comentar) e às (re)descobertas musicais do período.
Doze lançamentos de Março e Abril de 2025 altamente recomendados
1 – [EP] ANNÁ, DEUSA [SP]
Este é o primeiro ato de uma trilogia de EPs que comporá seu novo disco, Deusa Diaba da Terra do Sol (ouçam, aliás, seu disco anterior, BRASILEIRA, excelente conjunto de sambas atualizados). Aqui temos um entrelaçamento entre sincretismos musicais (baião, ijexá, funk, piseiro) e também religiosos (Deus, DEUSA e orixás; tendo sido a compositora evangélica, trata-se de um lugar de fala muito interessante para propor justamente hoje este diálogo espiritual interreligioso através da música). Destaque para “Bom Astral” e a seguinte passagem, que achei surpreendentemente precisa para caracterizar um dos espíritos desta newsletter: “caguei pra trend”!
2 – [álbum] Aqno, Latino Brega Love [PA]
Um disco que não apenas trabalha na linha da confluência Amazônia latinizada (aqui temos brega - por supuesto -, mas também uma pluralidade de gêneros: tecnomelody, tecnocumbia, tecnobrega, reggaeton, voguebeat, carimbó, pop eletrônico, zouk, reggae, rock, piseiro, bregadeira, funk, calypso), como também constrói uma perspectiva queer a partir de Marabá, interior sudeste do Pará, mas viajando para Belém e Maranhão (ou seja, fluidificação de fronteiras: musicais, de gênero e espaciais). Destaque para as colaborações com Dona Onete na excelente “Jambu no Cuxá” e com Layse em “Zouk Love” (“lapidei o rubi do meu coraaaação”) e, por fim, para a citação de “Menino do Rio” em “Guamágoas”, transmutando o Rio (de Janeiro) no rio (Guamá), um movimento de subversão das hierarquias territoriais no campo musical brasileiro.
3 – [single] Clara Valverde, "platônico" [SP]
Sambinha contemporâneo muito divertido e envolvente sobre um amor platônico.
4 – [álbum] Djonga, Quanto Mais Eu Como, Mais Fome Eu Sinto! [MG]
Quase todas as letras são pedradas e os beats são sempre pesados mas sem nunca sufocar a melodia. O fio condutor é a temática da fome e como a passagem da pobreza para o sucesso e a riqueza através do rap não elimina as cicatrizes existenciais da desigualdade social e da discriminação racial. Destaque poético e musical para “TE ESPERO LÁ”, com Samuel Rosa (ex-Skank): “Ouvi num som que todo menino é um rei / E disse isso prum garotinho de pele escura / Ele me disse que apesar de ser criado por uma rainha / Seu castelo tem um quarto só e no prato falta a mistura / Eu podia até explicar o sentido da frase / Difícil era fazer essa frase fazer sentido”.
5 – [álbum] João Gomes, Mestrinho e Jota.pê, Dominguinho [PE, SE e SP]
Este disco se tornou rapidamente um sucesso nacional, quase uma unanimidade. Opinião pessoal: o brilhantismo do disco não é exatamente musical (inclusive ele é bastante convencional), mas a concepção contra-intuitiva de ter juntado vozes complementares (em termos de timbre, mas também de públicos ouvintes). João Gomes é um fenômeno único na música brasileira contemporânea, por conseguir circular por cenas tão distintas quanto o piseiro, a MPB em sentido amplo e o sertanejo. O melhor do álbum - formado por versões de músicas dos três, de forrós conhecidos (minha favorita é “Mala e Cuia”) e uma surpreendente transmutação de Charlie Brown Jr. - é o clima descontraído: como se fossem três amigos de longuíssima data tocando e se divertindo em um churrasco de domingo (com destaque para a liderança carismática do tímido JG).
6 – [EP] Joyce Alane, Casa Coração [PE]
Um EP delicioso de escutar. Na tendência contemporânea de intensificação da circulação de forrós acabou não recebendo a mesma atenção do que o projeto de JG do Dominguinho. Vale muito a pena escutar e confirma que Joyce Alane consegue inovar para além do seu ótimo primeiro álbum, Tudo É Minha Culpa, um dos discos imperdíveis do ano passado. Destaque para as belíssimas faixas com participação de Mariana Aydar em “Todo Tempo é Pouco Pra Te Amar” e Zeca Baleiro em “A Natureza das Coisas”.
7 – [álbum] Josyara, AVIA [BA]
Excelente disco, o terceiro da carreira da cantora, compositora e, acima de tudo, exímia violonista baiana. O violão de Josyara é singular, potente, instigante, um violão-tambor! Vai ficando claro que 2025 terá o protagonismo musical e criativo de uma constelação de albuns baianos: AVIA, O Mundo Dá Voltas, Mundo Afro, Divina Casca sem contar Baile à la Baiana, do carioca Seu Jorge, mas que presta homenagem ao pagodão baiano. Ouçam Josyara! (e, em breve, resenha por aqui)
8 e 9 – [singles] LEOA, "Melô de Cinderela" + LEOA e Gil Bala, "Meu Reggae" [RN]
Dois ótimos reggaes que antecipam a língua franca do primeiro álbum da carreira solo de Luísa Nascim (da finada banda potiguar Luísa e os Alquimistas), agora com o nome artístico de LEOA. Em breve, nas próximas newsletters: destaque para o disco no balanço de maio-junho e, um pouco mais para frente, uma resenha!
10 – [single] Mariana Nolasco e MARO, "do raso ao fundo" [SP e POR]
Conheci a cantora portuguesa MARO no ano passado, brinde de um intenso des/encontro amoroso. E cheguei na Mariana Nolasco na mesma época, por sugestão algorítmica. Qual não foi minha surpresa ao ver este lançamento com a colaboração transnacional das duas. Uma música bela, intensa, mas bateu triste em mim: “Onda vai / Posso mergulhar em ti / Me aprofundar em mim / Me molha / Onda vem / Pode mergulhar em mim / Se aconchegar aqui / Me prova”.
11 – [álbum] Rachel Reis, Divina Casca [BA]
Os excelentes singles lançados com antecedência (“Ensolarada” no final de 2024 e “Deixa Molhar” no começo de 2025) indicavam que seu novo álbum seria um dos melhores do ano. Eu diria que o segundo disco de estúdio de Rachel Reis é, de fato, bom, mas Meu Esquema (2022) continua imbatível em sua quase-perfeição. Quero ainda refletir sobre o que poderia explicar a diferença entre (minhas) expectativas e a realidade.
12 – [álbum] Rael, Onda [SP]
Um dos melhores discos do ano! Rap melódico, dançante, sensual e sincrético com: pop, black music, pagodão baiano, dancehall, amapiano, forró y otras cositas más. Participações mais do que especiais conectam o rap paulistano com: Rio de Janeiro (Dom Filó, Ludmilla), Minas Gerais (FBC, Marina Sena), Bahia (Ivete Sangalo e Luedji Luna), Sergipe (Mestrinho, em duas faixas), sem contar Mano Brown e Rincon Sapiência, respectivamente Zonas Sul e Leste de São Paulo capital. Fodástico. Em breve, resenha por aqui.
Outros lançamentos dos meses de Março e Abril de 2025
[single] Amanda Pacifico (feat. Dona Onete & Suraras do Tapajós), "Gota Graúda" [PA]
[EP] Adnon, Inna Brazilian Jamaica, Lado B [MA]
[faixa] Agnes Nunes, "As Rosas Não Falam" [BA]
[álbum] Arnaldo Antunes, Novo Mundo [SP]
[single] Brisa Flow, "Rosas Brancas" [MG]
[álbum] Criola Beat, Criola Beat Dancehall Style, Vol. 2 [MA]
[álbum] DJ Renan Valle, Set Afrofunk Agora Nossa Arma É Outra [RJ]
[single] Fitti e Amanda Magalhães, “Chamego” [PE e RJ]
[single] LEOA, "MALOKERA" [RN]
[single] Mahmundi, "Irreversível" [RJ]
[single] Mariana Froes, “Figua de Guiné” [GO]
[álbum] Marina Sena, Coisas Naturais [MG]
[álbum] Stefanie, BUNMI [SP]
[álbum] Teto, MAIOR QUE O TEMPO [BA]
[álbum] Tuly, Sem Medo [MG]
[single] Victor Xamã, Pecaos & NoShugah, "Armadilha" [AM]
E para vocês: teve algum disco, EP ou single que foi lançado em março ou abril de 2025 e que não apareceu aqui? Comente com suas próprias recomendações:
Descobertas tardias altamente recomendadas
[single] Aíla e Luísa e os Alquimistas, "Amor e Sacanagem" (2020) [PA e RN]
[single] Aíla, "Treme Terra" (2019) [PA]
[faixa] Aíla, "Lesbigay" (2016) [PA]
[faixa] Aíla (part. Dona Onete), "Proposta Indecente" (2012) [PA]
[álbum] Criola Beat, Mixtape, Vol. 01 (2019) [MA]
[álbum] Criola Beat, Mixtape, Vol. 02 (2020) [MA]
[faixa] Fafá de Belém, "Esse Rio é Minha Rua" (2002) [PA]
[single] Ikaro Funk, "Onça Pra Tambor" (2024) [MA]
[álbum] Loopcinico, Loopcinico (2013) [MA]
[álbum] Lia Sophia, Eletrocarimbó (2021) [PA]
[single] Luana Flores (part. Juliana Linhares), "Alumeia" (2024) [PB e RN]
[faixa] Luana Flores e Vó Mera, "Eu Vem" (2021) [PB e BA]
[álbum] Luê, A fim de Onda (2012) [PA]
[faixa] Luê, "Sete Saia" (2017) [PA]
[EP] Luê, 091 (2023) [PA]
[álbum] Magalhães e sua Guitarra, Magalhães e sua Guitarra Maravilhosa (1986) [PA]
[single] Natália Matos (part. Manoel Cordeiro), "Lua Namoradeira" (2019) [PA]
[álbum] Raimundo Soldado, Abraçando Você (1980) [MA]
[álbum] Rita Benneditto, Tecnomacumba (2006) [MA]
[álbum] Uaná System, Carimbohton (2022) [PA]
[álbum] vários, Jambu e os Míticos Sons da Amazônia (2019) [PA]
Cartografia da imaginação musical brasileira
Por onde viajei nos meses de mar./abr. 2025?
NORDESTE
– Maranhão (x5): Criola Beat, Ikaro Funk, Loopcinico, Raimundo Soldado, Rita Benneditto
– Bahia (x3): Josyara, Rachel Reis, Vó Mera
– Rio Grande do Norte (x3): Juliana Linhares, LEOA, Luísa e os Alquimistas
– Paraíba (x2): Gil Bala, Luana Flores
– Pernambuco (x2): João Gomes, Joyce Alane
– Sergipe: Mestrinho
NORTE
– Pará (x10): Aíla, Aqno, Dona Onete, Fafá de Belém, Lia Sophia, Luê, Magalhães e sua Guitarra, Manoel Cordeiro, Natália Matos, Uaná System
SUDESTE
– São Paulo (x5): ANNÁ, Clara Valverde, Jota.pê, Mariana Nolasco, Rael
– Minas Gerais: Djonga
PS: Nas próximas semanas: mais uma resenha de um discaço de 2025; o balanço bimensal de maio-junho para fechar a janela temporal e chegarmos no presente; além de começar a publicar narrativas reflexivas em torno de playlists compiladas por mim.